Musicoterapia, sons que reabilitam

01/10/2024

Um piano no hall do Hospital da Criança de Brasília evidencia a importância da música, também, no cotidiano do Hospital e, frequentemente, pianistas voluntários oferecem concertos durante os atendimentos.  

O piano e demais instrumentos de corda e percussão são os recursos que o Ambulatório de Musicoterapia oferece aos pacientes no HCB, de forma conjunta com terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e fisioterapeutas e agregam, às condutas terapêuticas de doenças raras, graves e complexas, o som dos instrumentos como recurso nos tratamentos. Os profissionais dessa equipe estão em todas as linhas de cuidados do Hospital, clínicas, cirúrgicas, na linha de cuidado oncohematológica incluindo o tratamento paliativo dos pacientes. A música, enquanto terapia, é aplicada nos atendimentos ambulatoriais e até nas UTIs. 

A musicoterapeuta e violoncelista Ângela Fajardo (foto no alto da matéria), integrante da Associação de Musicoterapia do Distrito Federal, nos seis anos em que atua no HCB, já perdeu as contas de quantos pacientes passaram pelo Ambulatório de Musicoterapia, mas as histórias contadas pelos familiares ressaltam os contornos das conquistas diante das demandas trazidas pelos pacientes. Semanalmente, passam cerca de 30 crianças pelo Ambulatório. "Crianças com transtornos do neurodesenvolvimento e do comportamento têm, na música, uma janela de comunicação com o mundo e em volta delas. Para algumas crianças, pode ser a única forma de comunicação pelas experiências sonoras que acumulam. Trabalhamos a demanda de cada um, especificamente", diz Fajardo.

Rúbia Ferreira de Souza, mãe de Flavia Carolina (foto acima, ao piano), conta que a música foi apresentada para a filha aos 10 anos, em um momento de baixa autoestima e muitas dores. Ela buscou o tratamento no HCB por conta de uma doença degenerativa. “Flávia foi despertada para a música aqui no ambulatório. Ela quis aprender a tocar instrumentos, ler e escrever partituras musicais, melhorou a escrita e a leitura e se interessou em aprender idiomas. A musicoterapeuta, profissional, atenciosa e carinhosa, soube conduzir minha filha e ajudá-la", diz a mãe, satisfeita com os resultados. Flávia, hoje com 20 anos, cursa licenciatura em Espanhol no Instituto Federal de Brasília (IFB) e está tentando uma vaga na Escola de Música.

As conquistas são inúmeras com a terapia que tem os instrumentos musicais como aliados. Foi o caso de Marco Albano de Sousa Althaus (foto acima), de quatro anos, que, ao nascer, ficou 17 dias na UTI. Ele apresentava múltiplas deficiências, comprometimento cognitivo e diagnóstico de autismo. A mãe, Solange Sousa (foto abaixo), lembra que, ainda bebê, ele precisou ser socorrido com várias paradas cardíacas e convulsões; superou o período crítico e foi transferido ao HCB com dois meses. O início do tratamento marcou a família. A música "Leãozinho", de Caetano Veloso, que a mãe cantava no leito e que emocionava o bebê, foi a cantiga que a terapeuta executou no violoncelo para envolver o paciente na admissão. Uma coincidência que gerou empatia proporcionou uma surpreendente evolução no paciente. O menino irritado, que não suportava barulho, até vozes mais altas, se apaixonou pela música e já foi até a um espetáculo de rock, no qual ele aplaudia no compasso da bateria. Emocionada, Solange comemora: "Eu digo que a música salvou a vida do meu filho, trouxe alegria, colocou a música, a voz, a vida de uma criança que não suportava nenhum ruído. Trouxe vida para a vida, dele e a nossa", diz a mãe do menino, que comemora a evolução até nos movimentos do corpo.

Sabrina Diniz, nove anos, é outra criança que mudou muito depois das inúmeras sessões que faz nas quintas-feiras no Hospital da Criança. Com diagnóstico de autismo, déficit de aprendizagem, manifestava-se agressiva, diz a mãe Elizabete Vieira Diniz. "Ela foi acolhida, criou vínculos de amizade, adora a musicoterapeuta, melhorou a interação com as outras crianças e tornou-se mais calma neste 1 ano de tratamento", comemora a mãe. 

A dinâmica de musicoterapia utilizada no HCB é eficiente no tratamento de diferentes perfis de pacientes e demandas que requerem uma avaliação diagnóstica qualitativa. Se aplica em pacientes que não conseguem verbalizar sentimentos, palavras e viabiliza a comunicação gestual. A interação com a música funciona como uma analogia de domínio e auxilia nos processos de tratamentos emocionais. A improvisação musical permite a interação do paciente com a realidade e começa com a escolha do instrumento. 

É o que constata o pai da menina Gabriela Villefort, que possui uma cardiopatia e apresentava dificuldades para se alimentar. O trabalho diário, segundo Bruno Dias, foi transformador. A filha apresentou um desenvolvimento importante. Hoje, até aceita melhor os alimentos. "Todos os encaminhamentos que recebemos aqui, no apoio interdisciplinar, foram muito bons, a minha filha ama vir para os atendimentos, ganhou sociabilidade, e é importante essa atenção que recebe para o equilíbrio e a motricidade que vêm progredindo muito”, diz o pai, que acompanha a filha nas sessões de musicoterapia. Gabriela Villefort, com pouco mais de 2 anos, precisava estimular a motricidade, equilíbrio e a atenção compartilhada. Do início do ano até hoje, teve uma grande evolução e passou a se comunicar melhor, constata o pai da menina. 

A Musicoterapia foi regulamentada no Brasil, no início deste ano. O musicoterapeuta é um profissional graduado ou pós-graduado em Musicoterapia e só pode atuar caso tenha essas habilitações.

 

Texto e fotos: Cláudia Miani